segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O Lirismo Amoroso do Boca do Inferno


Parece que este último mês passara sem que eu falasse de um livro sequer. Acho que o motivo é o que pode ser chamado de "estresse cultural", que geralmente ocorre em Outubro e Novembro. São tantos eventos interessantes ocorrendo simultaneamente em tantos lugares diferentes que fica difícil decidir de qual seria melhor participar. Além dos trabalhos e provas da faculdade, que parecem tiram o tempo que necessito para literatura ou para escrever sobre esta.

Porém há vezes em que o ofício pode se conciliar com o ócio. Como é o caso de certo seminário que estou fazendo, com a ajuda de uma de minhas colegas, sobre a poesia lírica de Gregório de Matos Guerra. Mais vulgarmente conhecido como "Boca do Inferno", a maior parte dos estudos são sobre a sua poesia satírica. O que tornou a pesquisa mais difícil, mas não menos empolgante. Haja visto que adoro, como um todo, a obra deste que é considerado o maior poeta barroco brasileiro. Aqui vai um pequeno trecho do dito trabalho:

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Quis o poeta embarcar-se para a cidade e viu, antecipando a notícia à sua senhora, umas derradeiras mostras de sentimento em verdadeiras lágrimas de amor.

Gregório de Matos, o Boca do InfernoArdor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.

Se és fogo, como passas brandamente,
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

Na primeira estrofe, o poeta caracteriza seus sentimentos para com a sua musa. O sofrimento é nitidamente evidenciado ao colocar como sinônimos de amor ardor e pranto. O exagero sentimental nesses dois primeiros versos se faz com a utilização da hipérbole (quando há exagero de uma idéia, a fim de proporcionar uma imagem emocionante e de impacto) e de pleonasmo ("mares de água"). Nos dois versos seguintes, o conflito amoroso no autor se torna claro com o uso de paradoxos - incêndio disfarçado em mares, neve convertida em fogo.

Na estrofe seguinte, ele escreve sobre esse sentimento que o consome. Para desenvolver tal conotação, foi necessário que o poeta começasse a atribuir toda uma simbologia na estrofe anterior, onde neve significaria tranqüilidade e fogo seria a inquietude do amor. E, com base nessa simbologia, ele coloca que seu peito está abrasado, que esse fogo (amor) aprisionado em cristal (no peito do poeta) o está consumindo.

As contradições oriundas do amor são questionadas com interrogações no primeiro terceto para que se chegasse à conclusão que enquanto ele (o poeta) fosse a neve ardente, ela (a amada) seria a chama fria. Perceba que essas definições estão calcadas no paradoxo para ressaltar os contrastes do amor (que não é correspondido pela parte feminina).

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Espero que não tenha ficado muito "técnico". Tentei fazê-lo o mais simples possível para que pessoas sem muito conhecimento acadêmico possam entender mais facilmente.

P.S.: Este seminário foi (muito bem) apresentado por mim e minhas colegas, Milene e Mônica (apesar de seu nervosismo). Serviu para mostrar que mesmo o maior poeta maldito brasileiro, cheio de versos mordazes e picantes, foi também o produtor de linhas tão doces como as desse poema.

2 comentários:

  1. Ficou bacana, querido! Ficou didático :o)

    Olha, é um imenso prazer receber um devorador de livros no canteiro Fina Flor.

    É uma honra!

    Seja sempre muito bem vindo por lá :o)

    beijos e boa semana,

    MM.

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