quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio

de Fernando António Nogueira Pessoa

Ouça este poema de Ricardo Reis, recitado por Paulo Autran:

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. 
        (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
        Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
        E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
        E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranqüilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
        Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
        Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
        Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
        Pagã triste e com flores no regaço.

Considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa, Fernando Pessoa é foi, sem dúvida, um dos mais representativos, senão o maior, poeta português do século XX. Por ter vivido a maior parte de sua juventude na África do Sul, a língua inglesa também possui destaque em sua vida.

Teve uma vida discreta, em que atuou no jornalismo, na publicidade, no comércio e, principalmente, na literatura, onde se desdobrou em várias outras personalidades conhecidas como heterônimos. A figura enigmática em que se tornou movimenta grande parte dos estudos sobre sua vida e obra, além do fato de ser o maior autor da heteronímia.

Mas, afinal de contas, o que esta pessoa tão especial nos deixou de importante? Só sei que foi grande, grande Pessoa.