sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

O Circo de Lucca

de Jorge Otávio Zugliani, o Jozz

Capa

Jozz é designer gráfico formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cursou Quanta Academia de Artes, trabalhou em editoras de livros e revistas, além de produtoras de tv e cinema. Edita a revista Zine Royale de quadrinhos e ilustrações. Em janeiro lançará seu livro O Circo de Lucca, uma HQ em metalinguagem, pela Editora Devir.

Mas isso é só o que ele diz de si mesmo. O que há de mais nesse rapaz é que ele consegue expressar pensamentos e sentimentos de forma não verbal, e nem por isso menos literária. Deveras, as palavras escritas podem parecer mero acompanhamento à sua arte seqüencial, porém são elas que dão uma encorpada a este caldo colorido e saboroso chamado de nona arte.

Resumindo, Histórias em Quadrinhos são uma forma de literatura, sim! E o trabalho do nosso amigo Jozz está ai para provar isso.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Tristão e Isolda

Tristão e Isolda bebendo a poção do amor
Escrita a partir da lenda medieval celta, Tristão e Isolda conta a história de um casal que enfrenta diversos obstáculos para se unir. Trata-se do arquétipo base que dá origem a muitas histórias que tratam de honra e traição, amor e sacrifício. Assim como é o caso de Lancelot e Guinevere ou de Romeu e Julieta.

Os muitos estudos históricos discordam das origens reais destes personagens, tornando impossível identificar uma origem em comum para a lenda. Porém, há ecos de sua narrativa em diversas culturas. As origens da lenda remetem ao início do século XII, e envolvem muitas fontes e versões, sendo as mais antigas as do folclore celta do norte da França. Dois poetas da época, Thomas of Britain e Béroul detêm os primeiros textos mais conhecidos e, apesar de pequenas diferenças, ambos possuem a essência da história.

Nestas versões da história de Tristão e Isolda não há nada a ver com a corte do Rei Arthur ou a Demanda do Graal. Porém, a partir do século XIII, este conto passa a se confundir com a literatura arthuriana, tornando-se muito popular e sendo contado várias vezes e de variadas formas, em todas as líguas da Europa.

Richard Wagner, um dos maiores compositores alemães de todos os tempos, era versado em toda a literatura que envolvia este casal medieval e compôs a sua própria versão, baseando-se principalmente nos escritos de Gottfried von Strassburg. Para se saber como ficou esta magnífica opera de Wagner, ouçam:


Houveram muitas versões para o cinema. Sendo que a última, produzida por Tony Scott e Ridley Scott e escrita por Dean Georgaris, é a mais rica historicamente, pois podemos averiguar no contexto de invasões da Bretanha a história de muitos povos e o surgimento de uma língua. Na história da língua inglesa encontramos muitas referências aos povos e locais citados no romance e que são bem nítidos e definidos no filme. Mas a narrativa deste perde, e muito, ao ignorar a influência da poção do amor na história dos dois. Caso se interessem, logo abaixo segue o trailer deste filme:


Agora, se, como eu, preferem saborear este lindo romance através da leitura, eu sugiro a versão escrita por Fernandel de Abrantes. Pois ele tenta cozinhar as visões dos outros autores aqui citados em uma única panela, além de ser um livro de baixíssimo custo.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Um livro para chamar de meu

por Kandy Saraiva

Li muitos livros que marcaram minha vida. Levei quase um mês para escolher um sobre o qual falar neste texto, respondendo ao gentil convite do Devorador de Livros.


“Aureliano, que naquele tempo não tinha mais de cinco anos, havia de recordar pelo resto da vida como o viu naquela tarde, sentado contra a claridade metálica e reverberante da janela, iluminando com a sua profunda voz de órgão os territórios mais escuros da imaginação (...).”



Cada livro marca a gente de uma forma. Então, talvez não seja justo escolher um em detrimento de muitos outros que passaram tantos momentos comigo. Resolvi, assim, avaliá-los todos por um critério mais restrito que apenas o fato de me terem marcado por motivos vários: com qual aprendi mais?

Não me refiro aqui ao aprendizado de informações, mas ao de habilidades. Não, não, não se trata de nenhum manual técnico sobre dança ou montagem de quebra-cabeças. Tampouco de algum livro de referência ou auto-ajuda. Trata-se mesmo de literatura.

Escolhi, assim, o primeiro livro que li depois de ter-me formado em Letras. “Oras”, você deve perguntar, “mas você leu tantos livros durante o curso, será que nenhum deles marcou tanto a ponto de merecer destaque?”. Todos, repito, marcam de alguma forma. Mas a habilidade que mais uso nos meus textos hoje em dia eu aprendi depois, quando pude finalmente escolher o que queria ler, em vez de ler o que os professores escolhiam para mim.

Cem anos de solidão. Foram 394 páginas que me ensinaram o que é a metáfora, o poder que ela tem, a arte que ela é, a magia que faz quando costura as palavras formando imagens no imaginário, assim, pleonasticamente de propósito. Foi com Gabriel García Márquez que aprendi a construir boas metáforas.

Li toda a saga de Aureliano Buendía em pouco mais de três horas, numa outra metáfora: devorei o livro, tal qual faz comumente o autor deste blog. Achei todo aquele realismo fantástico fantástico demais para ser livro. Era mesmo um absurdo. Absurdamente maravilhoso.

“Atravessou um ermo amarelo onde o eco repetia os pensamentos e a ansiedade provocava imagens premonitórias. Ao fim de semanas estéreis, chegou a uma cidade desconhecida onde todos os sinos tocavam a finados. Embora nunca os tivesse visto, nem ninguém os tivesse descrito, reconheceu imediatamente os muros carcomidos pelo sal dos ossos, as decrépitas varandas de madeiras destripadas pelos fungos, e pregado no portão e quase apagado pela chuva o cartãozinho mais triste do mundo: vendem-se coroas fúnebres.”

Àquela altura, devido justamente à minha formação, eu sabia o que era o maravilhoso na literatura, onde o poético fica mais à vontade só por encontrar a porta aberta. E deixei-me deslumbrar. Aceitei passivamente os mais de quatro anos em que choveu sem parar, encharcando a história. Achei de profundo bom gosto envolver uma personagem — chamada Mauricio Babilônia — com borboletas amarelas aonde quer que fosse, metáfora feliz interpretada ao gosto de cada leitor. Admirei a força matriarcal de Úrsula, a única personagem que permanece, em um enredo em que permanecer é só para os fortes.

“A embriaguez do poder começou a decompor-se em faixas de tédio” ou “Nada lhe chamava a atenção, salvo a música dos relógios, que de meia em meia hora procurava com os olhos assustados, como se esperasse encontrá-la em algum pedaço do ar.” Trechos assim fisgavam meu interesse, e fui pescada tantas e tantas vezes que me entristeci quando terminei a leitura. Derramar-se assim em algo tão profundo deveria mesmo ser ininterrupto.

Cem anos de solidão marcou-me não só pela linguagem poética, mas, principalmente, porque me fez perceber que a escolha vocabular é uma arma poderosa para quem quer escrever bem. Nenhum sentido é por acaso; nenhuma palavra é tratada como curinga. Todas estão onde estão porque é exatamente ali onde deveriam estar. E é a relação que estabelecem na ordem em que estão que multiplica os sentidos que têm.

Longe estou de construir metáforas como as do Nobel de Literatura, eu sei. Mas também sei que construo umas boas. Esforço-me para descamar as palavras e perceber-lhes todos os sentidos que têm, a ponto de conquistar certa liberdade para brincar com elas, como quem dança inocentemente em uma roda.

Com Gabriel García Márquez, por meio desse best-seller, aprendi que só a observação, aguçada e perspicaz, é capaz de esvaziar os clichês de um texto e elevá-lo ao que pouquíssimos alcançam, mas todos os que escrevem almejam: a originalidade. E é assim que eu construo metáforas: posso dizer que, em vez de escrever parágrafos de causar inveja, Márquez escreve os parágrafos mais procurados na feira; no lugar de descrever personagens de parar o trânsito, ele descreve mulheres que chovem beleza.

“Estas coisas, que tanto consternavam Úrsula, eram comuns naquele tempo. Macondo naufragava numa prosperidade de milagre.” Milagre é mesmo ficar indiferente a uma leitura assim.

Então, devido à intensa transformação que Cem anos de solidão imprimiu à minha linguagem, ao meu jeito de observar, de ser e de escrever, posso elegê-lo como livro que mais me marcou. E marcas são mesmo assim: a gente carrega para sempre, feito nome próprio.


Visite o blog da autora deste post: http://ideiasnajanela.blogspot.com/

domingo, 2 de dezembro de 2007

No meio do caminho

de Carlos Drummond de Andrade
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Estava lendo a 14° edição do jornal cultural Palavras de Um Dia, que é distribuido nas cidades de Viçosa, Mariana e Ouro Preto. Como nesta edição (especial de 2 anos) encontrei uma biografia tão boa do nosso querido poeta-de-óculos-grandes, escrita por Joséllio Carvalho, resolvi reproduzí-la aqui, adaptada:

Mineiro de Itabira, Carlos Drummond de Andrade é um dos mais conhecidos poetas da literatura brasileira. Filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade e D. Julieta Augusta Drummond de Andrade, nasceu em 31 de outubro de 1902.

Foi funcionário público durante a maior parte da sua vida. Somente por causa da insistência de sua família para que tivesse um curso superior, graduou-se em Farmácia, mas sua preferência, desde novo, eram as letras. Chegou inclusive a trabalhar como professor de Português e jornalista.

Em 1925, casou-se com Dolores Dutra de Morais, com quem teve dois filhos: Carlos Flávio (que viveu apenas meia hora) e Maria Julieta, que se tornaria sua grade amiga e confidente ao longo da vida.

Drummond em CaricarutaSua poesia, já traduzida para várias línguas, é profunda e nos convida a rir e refletir sobre as várias fases do nosso cotidiano, tais como: os medos, as tristezas, os amores e as situações embaraçosas. Suas principais obras são, na poesia: Alguma poesia, Brejo das almas, Sentimento do mundo, José, A rosa do povo, A paixão medida, Corpo; e na prosa: Contos de aprendiz, "Fala, amendoeira", Cadeira de balanço, O poder ultrajovem.

A escola de samba "Estação Primeira de Mangueira" o homenageou em 1987, com o samba-enredo "O reino das palavras" e foi campeã do carnaval carioca naquele ano. Em 5 de agosto do mesmo ano, sua filha Maria Julieta faleceu, vítima de câncer. Após 12 dias, faleceu o poeta, de problemas cardíacos, Ele foi enterrado no mesmo túmulo que a filha, no Rio de Janeiro.

Seu jeito único de escrever, colocando no papel a emoção das palavras, faz com que Drummond, muitas vezes, fale por nós. A simplicidade e a originalidade de suas linhas têm a capacidade de nos transportar para nossa dimensão mais "gauche": a total liberdade de sentimentos que navegam entre o papel e o coração.


Eu não poderia expressar melhor. As palavras que teria sobre este sublime poeta brasileiro não caberiam na boca. Por isso deixo aqui minhas saudações ao Joséllio Carvalho pelo ótimo texto.