sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

O Circo de Lucca

de Jorge Otávio Zugliani, o Jozz

Capa

Jozz é designer gráfico formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cursou Quanta Academia de Artes, trabalhou em editoras de livros e revistas, além de produtoras de tv e cinema. Edita a revista Zine Royale de quadrinhos e ilustrações. Em janeiro lançará seu livro O Circo de Lucca, uma HQ em metalinguagem, pela Editora Devir.

Mas isso é só o que ele diz de si mesmo. O que há de mais nesse rapaz é que ele consegue expressar pensamentos e sentimentos de forma não verbal, e nem por isso menos literária. Deveras, as palavras escritas podem parecer mero acompanhamento à sua arte seqüencial, porém são elas que dão uma encorpada a este caldo colorido e saboroso chamado de nona arte.

Resumindo, Histórias em Quadrinhos são uma forma de literatura, sim! E o trabalho do nosso amigo Jozz está ai para provar isso.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Tristão e Isolda

Tristão e Isolda bebendo a poção do amor
Escrita a partir da lenda medieval celta, Tristão e Isolda conta a história de um casal que enfrenta diversos obstáculos para se unir. Trata-se do arquétipo base que dá origem a muitas histórias que tratam de honra e traição, amor e sacrifício. Assim como é o caso de Lancelot e Guinevere ou de Romeu e Julieta.

Os muitos estudos históricos discordam das origens reais destes personagens, tornando impossível identificar uma origem em comum para a lenda. Porém, há ecos de sua narrativa em diversas culturas. As origens da lenda remetem ao início do século XII, e envolvem muitas fontes e versões, sendo as mais antigas as do folclore celta do norte da França. Dois poetas da época, Thomas of Britain e Béroul detêm os primeiros textos mais conhecidos e, apesar de pequenas diferenças, ambos possuem a essência da história.

Nestas versões da história de Tristão e Isolda não há nada a ver com a corte do Rei Arthur ou a Demanda do Graal. Porém, a partir do século XIII, este conto passa a se confundir com a literatura arthuriana, tornando-se muito popular e sendo contado várias vezes e de variadas formas, em todas as líguas da Europa.

Richard Wagner, um dos maiores compositores alemães de todos os tempos, era versado em toda a literatura que envolvia este casal medieval e compôs a sua própria versão, baseando-se principalmente nos escritos de Gottfried von Strassburg. Para se saber como ficou esta magnífica opera de Wagner, ouçam:


Houveram muitas versões para o cinema. Sendo que a última, produzida por Tony Scott e Ridley Scott e escrita por Dean Georgaris, é a mais rica historicamente, pois podemos averiguar no contexto de invasões da Bretanha a história de muitos povos e o surgimento de uma língua. Na história da língua inglesa encontramos muitas referências aos povos e locais citados no romance e que são bem nítidos e definidos no filme. Mas a narrativa deste perde, e muito, ao ignorar a influência da poção do amor na história dos dois. Caso se interessem, logo abaixo segue o trailer deste filme:


Agora, se, como eu, preferem saborear este lindo romance através da leitura, eu sugiro a versão escrita por Fernandel de Abrantes. Pois ele tenta cozinhar as visões dos outros autores aqui citados em uma única panela, além de ser um livro de baixíssimo custo.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Um livro para chamar de meu

por Kandy Saraiva

Li muitos livros que marcaram minha vida. Levei quase um mês para escolher um sobre o qual falar neste texto, respondendo ao gentil convite do Devorador de Livros.


“Aureliano, que naquele tempo não tinha mais de cinco anos, havia de recordar pelo resto da vida como o viu naquela tarde, sentado contra a claridade metálica e reverberante da janela, iluminando com a sua profunda voz de órgão os territórios mais escuros da imaginação (...).”



Cada livro marca a gente de uma forma. Então, talvez não seja justo escolher um em detrimento de muitos outros que passaram tantos momentos comigo. Resolvi, assim, avaliá-los todos por um critério mais restrito que apenas o fato de me terem marcado por motivos vários: com qual aprendi mais?

Não me refiro aqui ao aprendizado de informações, mas ao de habilidades. Não, não, não se trata de nenhum manual técnico sobre dança ou montagem de quebra-cabeças. Tampouco de algum livro de referência ou auto-ajuda. Trata-se mesmo de literatura.

Escolhi, assim, o primeiro livro que li depois de ter-me formado em Letras. “Oras”, você deve perguntar, “mas você leu tantos livros durante o curso, será que nenhum deles marcou tanto a ponto de merecer destaque?”. Todos, repito, marcam de alguma forma. Mas a habilidade que mais uso nos meus textos hoje em dia eu aprendi depois, quando pude finalmente escolher o que queria ler, em vez de ler o que os professores escolhiam para mim.

Cem anos de solidão. Foram 394 páginas que me ensinaram o que é a metáfora, o poder que ela tem, a arte que ela é, a magia que faz quando costura as palavras formando imagens no imaginário, assim, pleonasticamente de propósito. Foi com Gabriel García Márquez que aprendi a construir boas metáforas.

Li toda a saga de Aureliano Buendía em pouco mais de três horas, numa outra metáfora: devorei o livro, tal qual faz comumente o autor deste blog. Achei todo aquele realismo fantástico fantástico demais para ser livro. Era mesmo um absurdo. Absurdamente maravilhoso.

“Atravessou um ermo amarelo onde o eco repetia os pensamentos e a ansiedade provocava imagens premonitórias. Ao fim de semanas estéreis, chegou a uma cidade desconhecida onde todos os sinos tocavam a finados. Embora nunca os tivesse visto, nem ninguém os tivesse descrito, reconheceu imediatamente os muros carcomidos pelo sal dos ossos, as decrépitas varandas de madeiras destripadas pelos fungos, e pregado no portão e quase apagado pela chuva o cartãozinho mais triste do mundo: vendem-se coroas fúnebres.”

Àquela altura, devido justamente à minha formação, eu sabia o que era o maravilhoso na literatura, onde o poético fica mais à vontade só por encontrar a porta aberta. E deixei-me deslumbrar. Aceitei passivamente os mais de quatro anos em que choveu sem parar, encharcando a história. Achei de profundo bom gosto envolver uma personagem — chamada Mauricio Babilônia — com borboletas amarelas aonde quer que fosse, metáfora feliz interpretada ao gosto de cada leitor. Admirei a força matriarcal de Úrsula, a única personagem que permanece, em um enredo em que permanecer é só para os fortes.

“A embriaguez do poder começou a decompor-se em faixas de tédio” ou “Nada lhe chamava a atenção, salvo a música dos relógios, que de meia em meia hora procurava com os olhos assustados, como se esperasse encontrá-la em algum pedaço do ar.” Trechos assim fisgavam meu interesse, e fui pescada tantas e tantas vezes que me entristeci quando terminei a leitura. Derramar-se assim em algo tão profundo deveria mesmo ser ininterrupto.

Cem anos de solidão marcou-me não só pela linguagem poética, mas, principalmente, porque me fez perceber que a escolha vocabular é uma arma poderosa para quem quer escrever bem. Nenhum sentido é por acaso; nenhuma palavra é tratada como curinga. Todas estão onde estão porque é exatamente ali onde deveriam estar. E é a relação que estabelecem na ordem em que estão que multiplica os sentidos que têm.

Longe estou de construir metáforas como as do Nobel de Literatura, eu sei. Mas também sei que construo umas boas. Esforço-me para descamar as palavras e perceber-lhes todos os sentidos que têm, a ponto de conquistar certa liberdade para brincar com elas, como quem dança inocentemente em uma roda.

Com Gabriel García Márquez, por meio desse best-seller, aprendi que só a observação, aguçada e perspicaz, é capaz de esvaziar os clichês de um texto e elevá-lo ao que pouquíssimos alcançam, mas todos os que escrevem almejam: a originalidade. E é assim que eu construo metáforas: posso dizer que, em vez de escrever parágrafos de causar inveja, Márquez escreve os parágrafos mais procurados na feira; no lugar de descrever personagens de parar o trânsito, ele descreve mulheres que chovem beleza.

“Estas coisas, que tanto consternavam Úrsula, eram comuns naquele tempo. Macondo naufragava numa prosperidade de milagre.” Milagre é mesmo ficar indiferente a uma leitura assim.

Então, devido à intensa transformação que Cem anos de solidão imprimiu à minha linguagem, ao meu jeito de observar, de ser e de escrever, posso elegê-lo como livro que mais me marcou. E marcas são mesmo assim: a gente carrega para sempre, feito nome próprio.


Visite o blog da autora deste post: http://ideiasnajanela.blogspot.com/

domingo, 2 de dezembro de 2007

No meio do caminho

de Carlos Drummond de Andrade
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Estava lendo a 14° edição do jornal cultural Palavras de Um Dia, que é distribuido nas cidades de Viçosa, Mariana e Ouro Preto. Como nesta edição (especial de 2 anos) encontrei uma biografia tão boa do nosso querido poeta-de-óculos-grandes, escrita por Joséllio Carvalho, resolvi reproduzí-la aqui, adaptada:

Mineiro de Itabira, Carlos Drummond de Andrade é um dos mais conhecidos poetas da literatura brasileira. Filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade e D. Julieta Augusta Drummond de Andrade, nasceu em 31 de outubro de 1902.

Foi funcionário público durante a maior parte da sua vida. Somente por causa da insistência de sua família para que tivesse um curso superior, graduou-se em Farmácia, mas sua preferência, desde novo, eram as letras. Chegou inclusive a trabalhar como professor de Português e jornalista.

Em 1925, casou-se com Dolores Dutra de Morais, com quem teve dois filhos: Carlos Flávio (que viveu apenas meia hora) e Maria Julieta, que se tornaria sua grade amiga e confidente ao longo da vida.

Drummond em CaricarutaSua poesia, já traduzida para várias línguas, é profunda e nos convida a rir e refletir sobre as várias fases do nosso cotidiano, tais como: os medos, as tristezas, os amores e as situações embaraçosas. Suas principais obras são, na poesia: Alguma poesia, Brejo das almas, Sentimento do mundo, José, A rosa do povo, A paixão medida, Corpo; e na prosa: Contos de aprendiz, "Fala, amendoeira", Cadeira de balanço, O poder ultrajovem.

A escola de samba "Estação Primeira de Mangueira" o homenageou em 1987, com o samba-enredo "O reino das palavras" e foi campeã do carnaval carioca naquele ano. Em 5 de agosto do mesmo ano, sua filha Maria Julieta faleceu, vítima de câncer. Após 12 dias, faleceu o poeta, de problemas cardíacos, Ele foi enterrado no mesmo túmulo que a filha, no Rio de Janeiro.

Seu jeito único de escrever, colocando no papel a emoção das palavras, faz com que Drummond, muitas vezes, fale por nós. A simplicidade e a originalidade de suas linhas têm a capacidade de nos transportar para nossa dimensão mais "gauche": a total liberdade de sentimentos que navegam entre o papel e o coração.


Eu não poderia expressar melhor. As palavras que teria sobre este sublime poeta brasileiro não caberiam na boca. Por isso deixo aqui minhas saudações ao Joséllio Carvalho pelo ótimo texto.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

X Encontro Mineiro de Estudantes de Letras

No último feriadão; entre os dias 15 e 18 de novembro houve em São João del-Rei, mais precisamente no Campus Dom Bosco da UFSJ o X Encontro Mineiro de Estudantes de Letras - EMEL. O tema do Encontro deste ano, VERTENTES CULTURAIS: ESPAÇOS DISCURSIVOS, fez jus ao que foi mostrado em suas palestras, mesas-redondas, comunicações, mini-cursos e oficinas: o diálogo entre diferentes mídias -- como, Música, Cinema, Histórias em Quadrinhos e a própria Literatura -- e a valorização da Cultura no seu sentido mais amplo. A organização do evento ganhou os meus parabéns.

Logo de início, fiquei maravilhado com a cidade. As ruas barrocas do centro histórico, os sinos das igrejas anunciando cada hora, a poesia impregnada em cada pedra de cada ponte, fizeram-me desejar ficar por lá para sempre. Mas como nem sempre podemos fazer o que desejamos, o jeito foi aproveitar ao máximo estes quatro dias. Nos quais estudantes de Letras e profissionais da área puderam trocar experiências e informações valiosas sobre assuntos acadêmicos, sociais e culturais. Sem contar o prazer de conhecer pessoas de diferentes lugares e instituições -- da UFMG, da UFOP, da Unimontes, da própria UFSJ e, pasmem, até mesmo da UFRJ -- e fazer novas amizades, as quais espero serem duradouras.

Não direi que foi tudo perfeito, pois não foi. Quando a sensação inicial passou, houve momentos que não estava mais agüentando ficar por lá. Queria estar em casa; minha própria cama e meu próprio banheiro. Porém eu resisti. E saí lucrando muito com isso. Enfim, apesar das noites mal dormidas, do barulho e falta de bom senso de certas pessoas da delegação de certa universidade (que não direi qual é, para evitar aborrecimentos) e outros dissabores, foi tudo muito bom.

Repito: não foi perfeito. Mas quem é que, em sã consciência, joga fora uma panela inteira de comida boa, preparada com tanto carinho, só por que queimou um pouco o fundo?

PS.: Seguindo a sugestões para conclusão deste texto, faltou dizer a seguinte metáfora: Boa mesmo, só a tradicional comida mineira. ^_~

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Amai-vos...

de Gibran Khalil GibranGibran, auto-retrato

Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.

Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.

Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.

Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos,
e sede alegres,

Mas deixai
cada um de vós estar sozinho.

Assim como as cordas da lira
são separadas e,

No entanto,
vibram na mesma harmonia.

Dai vosso coração,
mas não o confieis à guarda um do outro.

Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.

E vivei juntos,
mas não vos aconchegueis demasiadamente.

Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.

E o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro.

Poeta, pintor e filósofo libanês, Gibran emigrou com sua família para Boston (EUA) em 1895. Iniciou sua carreira literária escrevendo poemas e meditações para o Al-Muhajer (O Emigrante), jornal árabe local. Seu estilo novo, cheio de música, imagens e símbolos, atrai-lhe a atenção do Mundo Árabe.

Em 1910, muda-se para Nova York, onde reúne em volta de si uma plêiade de escritores libaneses e sírios que, embora estabelecidos nos Estados Unidos, escrevem em árabe. O grupo forma uma academia literária que se intitula Ar-Rabita Al-Kalamia (A Liga Literária), e que muito contribuiu para o renascimento das letras árabes.

Os primeiros livros de Gibran -- Asas Partidas, As Ninfas do Vale, As Almas Rebeldes, Temporais -- foram uma série de escritos revolucionários, com os quais esperava destruir tradições e instituições, denunciar a vilania e a estupidez, desmantelar o trono dos gananciosos, humilhar o clero que prega o que não pratica, edificar um novo estilo de vida.

Após esses livros, Gibran, o revolucionário, transformou-se em Gibran, o filósofo. Mais preocupado com a alma humana do que com as instituições sociais, convencido de que os piores inimigos do homem estão dentro e não fora dele mesmo, e que a compreensão e a compaixão são melhores instrumentos de reforma e progresso do que a condenação e a destruição. Viriam, então, os livros de mais ampla visão e de mais profunda ternura, como O Profeta, Jesus – O Filho do Homem, Areia e Espuma, dentre outros.

Gibran procura fazer do homem um homem melhor, sensível, justo, generoso, benévolo, mais apegado aos valores espirituais do que aos materiais, mais orientado pelo coração do que pelo interesse, mais feliz em dar do que receber. Seu ideal da vida: harmonizar-se com a natureza. "O amor é a única liberdade neste mundo, porque eleva a alma às alturas, além das leis e das tradições dos homens e das necessidades e imposições da natureza" (Asas Partidas). A leitura deste escritor é mais do que uma leitura, é uma saborosa renovação da alma.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O Lirismo Amoroso do Boca do Inferno


Parece que este último mês passara sem que eu falasse de um livro sequer. Acho que o motivo é o que pode ser chamado de "estresse cultural", que geralmente ocorre em Outubro e Novembro. São tantos eventos interessantes ocorrendo simultaneamente em tantos lugares diferentes que fica difícil decidir de qual seria melhor participar. Além dos trabalhos e provas da faculdade, que parecem tiram o tempo que necessito para literatura ou para escrever sobre esta.

Porém há vezes em que o ofício pode se conciliar com o ócio. Como é o caso de certo seminário que estou fazendo, com a ajuda de uma de minhas colegas, sobre a poesia lírica de Gregório de Matos Guerra. Mais vulgarmente conhecido como "Boca do Inferno", a maior parte dos estudos são sobre a sua poesia satírica. O que tornou a pesquisa mais difícil, mas não menos empolgante. Haja visto que adoro, como um todo, a obra deste que é considerado o maior poeta barroco brasileiro. Aqui vai um pequeno trecho do dito trabalho:

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Quis o poeta embarcar-se para a cidade e viu, antecipando a notícia à sua senhora, umas derradeiras mostras de sentimento em verdadeiras lágrimas de amor.

Gregório de Matos, o Boca do InfernoArdor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.

Se és fogo, como passas brandamente,
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

Na primeira estrofe, o poeta caracteriza seus sentimentos para com a sua musa. O sofrimento é nitidamente evidenciado ao colocar como sinônimos de amor ardor e pranto. O exagero sentimental nesses dois primeiros versos se faz com a utilização da hipérbole (quando há exagero de uma idéia, a fim de proporcionar uma imagem emocionante e de impacto) e de pleonasmo ("mares de água"). Nos dois versos seguintes, o conflito amoroso no autor se torna claro com o uso de paradoxos - incêndio disfarçado em mares, neve convertida em fogo.

Na estrofe seguinte, ele escreve sobre esse sentimento que o consome. Para desenvolver tal conotação, foi necessário que o poeta começasse a atribuir toda uma simbologia na estrofe anterior, onde neve significaria tranqüilidade e fogo seria a inquietude do amor. E, com base nessa simbologia, ele coloca que seu peito está abrasado, que esse fogo (amor) aprisionado em cristal (no peito do poeta) o está consumindo.

As contradições oriundas do amor são questionadas com interrogações no primeiro terceto para que se chegasse à conclusão que enquanto ele (o poeta) fosse a neve ardente, ela (a amada) seria a chama fria. Perceba que essas definições estão calcadas no paradoxo para ressaltar os contrastes do amor (que não é correspondido pela parte feminina).

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Espero que não tenha ficado muito "técnico". Tentei fazê-lo o mais simples possível para que pessoas sem muito conhecimento acadêmico possam entender mais facilmente.

P.S.: Este seminário foi (muito bem) apresentado por mim e minhas colegas, Milene e Mônica (apesar de seu nervosismo). Serviu para mostrar que mesmo o maior poeta maldito brasileiro, cheio de versos mordazes e picantes, foi também o produtor de linhas tão doces como as desse poema.

sábado, 20 de outubro de 2007

Museu da Língua Portuguesa


Nem só de livros viverá o Devorador. Mas de tudo que for relacionado à Palavra. Portanto, outras formas que esta pode tomar além da mídia impressa, como um programa televisivo, são plenamente degustáveis.

O programa Em Cena, veiculado pelo Canal de São Paulo (18 TVA), exibiu um especial com os principais museus da capital paulista. Conheça agora um pouco do Museu da Língua Portuguesa.


Confesso que nunca fui ao dito museu. Porém não deixarei de visitá-lo ao surgir a primeira oportunidade. Deve ser delicioso!

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Devaneios e Divagações


Não, este não é o título de mais um livro que devorei. Trata-se apenas de um pequeno desabafo que gostaria de deixar aqui registrado.

Nas duas últimas semanas não li livro algum. O que me incomoda um pouco. Porém sempre leio alguma coisa todos os dias. Esta coisa pode ser um jornal, um blog, uma revista em quadrinhos ou mesmo a revista Veja. Não importa. Desde que se tenha em mente o que se quer tirar da leitura.

Como já dizia um respeitável professor que tive durante grande parte do 'colegial' (equivalente ao atual Ensino Médio): "Para sermos bons escritores, antes devemos ser bons leitores". Sábias palavras. Mas pensar que me tornarei um bom escritor só pelo fato de ler muitos livros seria o mesmo que achar que me tornarei um craque no futebol após assistir a muitos vídeos do Pelé ou do Garrincha driblando e fazendo gols (e olha que sou uma negação para qualquer esporte)! É necessário prática. Creio que seja este o principal motivo pelo qual criei este blog. Isso não quer dizer que não praticasse a escrita em outro lugar, como um caderno, por exemplo. Porém através do blog é possível um retorno imediato do leitor, que, de certa forma, aponta pra mim através dos comentários, onde estão os erros e os acertos que devem ser mudados ou mantidos. Isso mesmo, você não entendeu mal, alguns erros devem ser mantidos tanto quanto os acertos. Pois revelam a individualidade do escritor. Além de provocar a simpatia de alguns leitores.

Enfim, este post é so para preencher um "espaço vazio". Para dizer que não li nada de interessante esta semana. Espero que não tenham ficado desapontados. Até próxima semana lerei algo e escreverei sobre o que achei. Ou não.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Free Burma!


W T F, upload feito originalmente por G0Da.

Blogueiros de todo o mundo estão unidos hoje em apoio à revolução pacifista em Burma (ou Myanmar, antiga Birmânia). Queremos enviar um sinal de liberdade e demonstrar nossa simpatia a essas pessoas que estão lutando desarmadas contra aquele regime cruel. Por isso cada um da nós criou um post sobre o assunto em nossos blogs neste 4 de Outubro de 2007.

Mostre a tua simpatia pela campanha Burma Livre! e assine a lista de participates, sendo tu um blogueiro, dono de website ou simplesmente alguém que quer apontar o caminho à democracia e à liberdade em Burma.

Agradecemos toda e qualquer colaboração.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Espártaco

de Howard Melvin Fast

Foi enquanto esteve preso (durante três meses em 1950, por contestar o Congresso Estadunidense) que Howard Fast começou a escrever esta que se tornou a sua obra mais famosa.

O livro é uma biografia romanceada de Espártaco, o gladiador, que liderou uma das mais duradouras revoltas de escravos do Império Romano, ocorrida em 71 AC. Trata-se de uma ficção unida aos fatos históricos, uma adaptação livre do que foi contado pelos historiadores romanos. Tanto é que faz uma ótima descrição da sociedade romana da época.
"(...) Esta é uma história de homens e mulheres corajosos que viveram há muito tempo atrás, cujos nomes jamais serão esquecidos. Os heróis desta história estimaram a dignidade humana e viveram nobremente. Eu a escrevi de modo que aqueles que a lerem, tanto minhas crianças quanto as outras, possam tirar forças para o nosso futuro conturbado e possam enfrentar a opressão e o erro -- então o sonho de Espártaco poderá vir a se realizar em nosso próprio tempo." -- palavras do próprio autor.
Temperado com muito sexo e sangue, após a leitura fica na boca um gosto de liberdade.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

O Nosso Livro

de Florbela Espanca
Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito...
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.

Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito;
Não esfolhes os lírios com que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor.

Livro de mais ninguém... Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sois!

Ah! meu Amor! Mas quanta, quanta gente,
Dirá, fechando o livro docemente:
"Versos só nossos... só de nós os dois..."Conheça um pouco mais da obra de Florbela






É desnecessário que eu diga que os versos desta poetisa portuguesa -- que escreveu no início do século XX, mas foi alheia à revolução dos modernistas -- são doces e quentes. Pois quem conhece sabe que ela nos deixou poemas que, mesmo tendo sido escritos há tanto tempo, são como bolos de chocolate recém tirados do forno, levemente salgados por lágrimas de solidão e de saudade.

sábado, 8 de setembro de 2007

A Metamorfose

de Franz Kafka

Um desenho feito por KafkaIndigesto! Para ler Kafka são necessários alguns cuidados especiais: contar com uma certa atenção à maneira com que toda obra se constrói, principalmente seus períodos; estar sempre consciente de que toda a sua criação literária foi feita com o intuito de não parecer bonita, de ser, principalmente, uma obra baseada na dor; ficar atento a todos os detalhes do texto, pois em Kafka, até as imperfeições são propositais.

Sua obra está marcada por uma ruptura interior alimentada pela sua confusa identidade: um judeu tcheco que escrevia em alemão. Ao longo de toda a sua obra, Kafka entrega-se à exploração do seu universo interior.

Uma de suas obras em especial, com a primeira edição datada em 1915, reproduz a sensação do homem moderno que virou o inseto insignificante das grandes cidades. Como quase todas as suas obras, A Metamorfose é alicerçada no realismo, tem uma inclinação à metafísica e nela há uma síntese entre uma racional lucidez e um forte sabor irônico. Mas, cá entre nós, qual é mesmo o sabor da ironia?

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Papéis Avulsos

de Joaquim Maria Machado de Assis

Acredito que se este escritor de inconfundível estilo desiludido, sarcástico e amargo vivesse em nossos dias e tivesse acesso às atuais formas de comunicação e propagação da escrita, com certeza seria um dos melhores blogueiros que teriam existido, senão o melhor. Porém para nosso azar -- ou sorte, não sei o certo -- ele, que é considerado um mestre da língua, nasceu em 21 de junho de 1839, época em que a Internet sequer sonhava em existir.

Em 1882 publica um livro de contos, Papéis Avulsos, o qual não pretendo trinchar neste post como a um frango assado, mas dar apenas uma idéia para a língua e olhos mais ávidos. O título sugere que sejam textos que não têm relação alguma uns com os outros, mas o próprio autor adverte no início do livro: são como membros de uma só família, "que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa". Então, apesar de serem histórias distintas, são detentoras do mesmo estilo amargo como o café sem açúcar.

Entre os contos, O Alienista é o mais longo e também o mais saboroso, pois as excentricidades cientificistas do Dr. Simão Bacamarte e as reações ambíguas dos moradores da vila fazem com que o leitor ria o tempo inteiro da história. Contudo, quando esta se fecha, um sentimento de desolação parece percorrê-la, transformando o riso em desconforto e reflexão crítica. Os outros contos são igualmente hilários e contestadores. Ao final de cada um há um gostinho de quero mais.
Assinatura de Machado de Assis

terça-feira, 28 de agosto de 2007

As Brumas de Avalon

de Marion Zimmer Bradley

Para mim, esta história tem gosto de maçã. Obra agridoce, polifônica, que traz a ótica feminina da lendas do Rei Arthur e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Causou muita polêmica ao ser lançada, na década de 80, por tratar de ocultismo e abordar a bruxaria.

O romance explora fatos históricos preenchendo as lacunas ignoradas sobre a influência do paganismo e das mulheres na formação da Bretanha (atual Inglaterra). Mas a autora norte-americana, Marion Zimmer Bradley, não se detém meramente em narrar os fatos políticos e religiosos que se confrontam neste lugar. Mais do que isso, a autora mostra como as mulheres (ignoradas na História das Civilizações) foram tão importantes quanto, se não mais importantes que os homens.

A adaptação para o cinema, dirigido por Uli Edel e filmada em Praga em 2001, foi muito bem recebida pela crítica, principalmente em relação a trilha sonora. Mas para os amantes da obra literária, este filme deixou muito a desejar.

Por fim, pode-se dizer que esta obra é uma salada de frutas muito bem preparada em quatro volumes apimentados.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

O que é o Devorador de Livros?


Trata-se de um eu-lírico entusiasta do Manifesto Antropófago de 1928, uma resposta às questões colocadas pela Semana de Arte Moderna de 1922. A cada livro que deglute, transforma-se em outra pessoa e escreve coisas novas; comprovando para si que nunca se é o mesmo depois que se lê uma obra literária, qualquer que seja. Acredita que uma biblioteca pode muito bem ser equiparada a uma dispensa, onde as estantes e prateleiras podem estar repletas de guloseimas saborosas ou deter apenas o essencial a sobrevivência -- afinal, é certo dizer que alguns livros são de extrema importância para se sobreviver; seja do ponto de vista profissional seja do ponto de vista social, algumas leituras são indispensáveis.

Está disposto a compartilhar, com quem quiser saber, o que saboreia, sente e pensa a partir das obras que lê. Indicando o que achar de mais gostoso e alertando aos incautos a respeito das possíveis frutas podres -- sim, por fome pode acabar lendo coisas insólitas e até mesmo venenosas, mas não há razão para alarde, pois o que não o mata o fortalece. Em suma, gosta de fornecer dicas de como apreciar todo tipo de alimento, desde iguarias-poéticas-finas até um salgado-de-padaria-literário.