segunda-feira, 19 de novembro de 2007

X Encontro Mineiro de Estudantes de Letras

No último feriadão; entre os dias 15 e 18 de novembro houve em São João del-Rei, mais precisamente no Campus Dom Bosco da UFSJ o X Encontro Mineiro de Estudantes de Letras - EMEL. O tema do Encontro deste ano, VERTENTES CULTURAIS: ESPAÇOS DISCURSIVOS, fez jus ao que foi mostrado em suas palestras, mesas-redondas, comunicações, mini-cursos e oficinas: o diálogo entre diferentes mídias -- como, Música, Cinema, Histórias em Quadrinhos e a própria Literatura -- e a valorização da Cultura no seu sentido mais amplo. A organização do evento ganhou os meus parabéns.

Logo de início, fiquei maravilhado com a cidade. As ruas barrocas do centro histórico, os sinos das igrejas anunciando cada hora, a poesia impregnada em cada pedra de cada ponte, fizeram-me desejar ficar por lá para sempre. Mas como nem sempre podemos fazer o que desejamos, o jeito foi aproveitar ao máximo estes quatro dias. Nos quais estudantes de Letras e profissionais da área puderam trocar experiências e informações valiosas sobre assuntos acadêmicos, sociais e culturais. Sem contar o prazer de conhecer pessoas de diferentes lugares e instituições -- da UFMG, da UFOP, da Unimontes, da própria UFSJ e, pasmem, até mesmo da UFRJ -- e fazer novas amizades, as quais espero serem duradouras.

Não direi que foi tudo perfeito, pois não foi. Quando a sensação inicial passou, houve momentos que não estava mais agüentando ficar por lá. Queria estar em casa; minha própria cama e meu próprio banheiro. Porém eu resisti. E saí lucrando muito com isso. Enfim, apesar das noites mal dormidas, do barulho e falta de bom senso de certas pessoas da delegação de certa universidade (que não direi qual é, para evitar aborrecimentos) e outros dissabores, foi tudo muito bom.

Repito: não foi perfeito. Mas quem é que, em sã consciência, joga fora uma panela inteira de comida boa, preparada com tanto carinho, só por que queimou um pouco o fundo?

PS.: Seguindo a sugestões para conclusão deste texto, faltou dizer a seguinte metáfora: Boa mesmo, só a tradicional comida mineira. ^_~

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Amai-vos...

de Gibran Khalil GibranGibran, auto-retrato

Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.

Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.

Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.

Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos,
e sede alegres,

Mas deixai
cada um de vós estar sozinho.

Assim como as cordas da lira
são separadas e,

No entanto,
vibram na mesma harmonia.

Dai vosso coração,
mas não o confieis à guarda um do outro.

Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.

E vivei juntos,
mas não vos aconchegueis demasiadamente.

Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.

E o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro.

Poeta, pintor e filósofo libanês, Gibran emigrou com sua família para Boston (EUA) em 1895. Iniciou sua carreira literária escrevendo poemas e meditações para o Al-Muhajer (O Emigrante), jornal árabe local. Seu estilo novo, cheio de música, imagens e símbolos, atrai-lhe a atenção do Mundo Árabe.

Em 1910, muda-se para Nova York, onde reúne em volta de si uma plêiade de escritores libaneses e sírios que, embora estabelecidos nos Estados Unidos, escrevem em árabe. O grupo forma uma academia literária que se intitula Ar-Rabita Al-Kalamia (A Liga Literária), e que muito contribuiu para o renascimento das letras árabes.

Os primeiros livros de Gibran -- Asas Partidas, As Ninfas do Vale, As Almas Rebeldes, Temporais -- foram uma série de escritos revolucionários, com os quais esperava destruir tradições e instituições, denunciar a vilania e a estupidez, desmantelar o trono dos gananciosos, humilhar o clero que prega o que não pratica, edificar um novo estilo de vida.

Após esses livros, Gibran, o revolucionário, transformou-se em Gibran, o filósofo. Mais preocupado com a alma humana do que com as instituições sociais, convencido de que os piores inimigos do homem estão dentro e não fora dele mesmo, e que a compreensão e a compaixão são melhores instrumentos de reforma e progresso do que a condenação e a destruição. Viriam, então, os livros de mais ampla visão e de mais profunda ternura, como O Profeta, Jesus – O Filho do Homem, Areia e Espuma, dentre outros.

Gibran procura fazer do homem um homem melhor, sensível, justo, generoso, benévolo, mais apegado aos valores espirituais do que aos materiais, mais orientado pelo coração do que pelo interesse, mais feliz em dar do que receber. Seu ideal da vida: harmonizar-se com a natureza. "O amor é a única liberdade neste mundo, porque eleva a alma às alturas, além das leis e das tradições dos homens e das necessidades e imposições da natureza" (Asas Partidas). A leitura deste escritor é mais do que uma leitura, é uma saborosa renovação da alma.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O Lirismo Amoroso do Boca do Inferno


Parece que este último mês passara sem que eu falasse de um livro sequer. Acho que o motivo é o que pode ser chamado de "estresse cultural", que geralmente ocorre em Outubro e Novembro. São tantos eventos interessantes ocorrendo simultaneamente em tantos lugares diferentes que fica difícil decidir de qual seria melhor participar. Além dos trabalhos e provas da faculdade, que parecem tiram o tempo que necessito para literatura ou para escrever sobre esta.

Porém há vezes em que o ofício pode se conciliar com o ócio. Como é o caso de certo seminário que estou fazendo, com a ajuda de uma de minhas colegas, sobre a poesia lírica de Gregório de Matos Guerra. Mais vulgarmente conhecido como "Boca do Inferno", a maior parte dos estudos são sobre a sua poesia satírica. O que tornou a pesquisa mais difícil, mas não menos empolgante. Haja visto que adoro, como um todo, a obra deste que é considerado o maior poeta barroco brasileiro. Aqui vai um pequeno trecho do dito trabalho:

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Quis o poeta embarcar-se para a cidade e viu, antecipando a notícia à sua senhora, umas derradeiras mostras de sentimento em verdadeiras lágrimas de amor.

Gregório de Matos, o Boca do InfernoArdor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.

Se és fogo, como passas brandamente,
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.

Na primeira estrofe, o poeta caracteriza seus sentimentos para com a sua musa. O sofrimento é nitidamente evidenciado ao colocar como sinônimos de amor ardor e pranto. O exagero sentimental nesses dois primeiros versos se faz com a utilização da hipérbole (quando há exagero de uma idéia, a fim de proporcionar uma imagem emocionante e de impacto) e de pleonasmo ("mares de água"). Nos dois versos seguintes, o conflito amoroso no autor se torna claro com o uso de paradoxos - incêndio disfarçado em mares, neve convertida em fogo.

Na estrofe seguinte, ele escreve sobre esse sentimento que o consome. Para desenvolver tal conotação, foi necessário que o poeta começasse a atribuir toda uma simbologia na estrofe anterior, onde neve significaria tranqüilidade e fogo seria a inquietude do amor. E, com base nessa simbologia, ele coloca que seu peito está abrasado, que esse fogo (amor) aprisionado em cristal (no peito do poeta) o está consumindo.

As contradições oriundas do amor são questionadas com interrogações no primeiro terceto para que se chegasse à conclusão que enquanto ele (o poeta) fosse a neve ardente, ela (a amada) seria a chama fria. Perceba que essas definições estão calcadas no paradoxo para ressaltar os contrastes do amor (que não é correspondido pela parte feminina).

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Espero que não tenha ficado muito "técnico". Tentei fazê-lo o mais simples possível para que pessoas sem muito conhecimento acadêmico possam entender mais facilmente.

P.S.: Este seminário foi (muito bem) apresentado por mim e minhas colegas, Milene e Mônica (apesar de seu nervosismo). Serviu para mostrar que mesmo o maior poeta maldito brasileiro, cheio de versos mordazes e picantes, foi também o produtor de linhas tão doces como as desse poema.